Barbante lança linha de livros para crianças com um happening gráfico: “O lobo da Lua”

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Fotos J. Lamarca.

A partir de “canção de ninar para crianças que acordam com medo dos barulhos da noite”, equipe cria um produto de alta tiragem

Rodrigo Tadeu Gonçalves

Felipe de Lima Mayerle

Dedicada até agora à publicação de obras sobre música e músicos, a Editora Barbante inaugurou, com “O lobo da Lua”, sua nova linha editorial, voltada para o público infantil. O livro, lançado em sessão de autógrafos na Casa Pagu, em dezembro, em Curitiba, é o feliz resultado da colaboração do escritor Rodrigo Tadeu Gonçalves com o artista gráfico Felipe de Lima Mayerle. A tiragem já anda pela casa dos milhares, graças à aquisição d’“O lobo” pelo clube de leitura Quindim.

A gestação da obra começou há quatro anos e atravessou o intervalo da pandemia, essa “pausa” de solidão e ensimesmamento que parece ter sido fértil para as letras. A dupla de criação de “O lobo” não se conhecia anteriormente, e foi reunida com a expressa finalidade de criar um livro pela jornalista Daisy Carias de Oliveira, especialista em obras para crianças, que ela prefere chamar “livros ilustrados”. Daisy é conhecida nas redes sociais como a “Cigarra”.

As personagens desta história incluem, além dos três, os jornalistas Alessandro Andreola e Paola de Souza Marques, casal de editores da Barbante e também a designer editorial Debora Barbieri, responsável pelo projeto gráfico, diagramação e pelo processo de finalização e encaminhamento à produção industrial. Debora, igualmente reunida à equipe por Daisy Carias, integra como editora a Casa Baba Yaga.

Segundo Alessandro, “a Barbante nasceu em 2016, quando eu e minha esposa, a Paola Marques, ambos jornalistas, decidimos criar uma editora com o objetivo de lançar livros sobre artes. No início, trabalhávamos com tiragens bastante baixas e com acabamentos artesanais. Depois passamos a focar mais em livros sobre música e gradualmente fomos aumentando as tiragens.”
“‘O lobo da Lua’ foi um livro que surgiu de uma ideia da Daisy ao ler um poema do Rodrigo. Como somos amigos há muitos anos, ela trouxe o projeto para nós. A coisa foi evoluindo e acabamos convidando-a para fazer parte da editora.

O ‘lobo da Lua’ acabou sendo o primeiro dessa parceria. A linha de livros ilustrados continua em 2024 e nesse semestre devemos ter novidades. Paralelamente a isso, a Barbante segue trabalhando no nicho de livros sobre música, e esse ano fará lançamentos sobre Skank, Odair José e Talking Heads, entre outros.”

GESTAÇÃO DO LOBO

O processo de criação de “O lobo da Lua” tem início quando o professor de letras clássicas (UFPR), poeta e tradutor Rodrigo Tadeu Gonçalves (Jaú, 1981) levou à Daisy Carias (Curitiba, 1982) um buquê – ou então uma matilha – de poemas (“limeriques”, gênero cultivado pelo poeta inglês Edward Lear entre outros).

Desse conjunto, ela escolheu o mágico texto dos lobos, cães e ventos que vão tecendo uma noite de lua cheia, e chamou para a conversa o artista plástico Felipe de Lima Mayerle (Curitiba, 1983), experiente ilustrador com extensa folha de serviços prestados para os veículos da grande mídia, mas até ali inédito no formato livro.

Felipe conta que, depois de uma fase inicial de criação, sobreveio a pandemia e “ficamos em pausa um ano, quase, e retomamos no final de 2022, para fechar agora em julho/agosto (de 23)”. Ele admite que houve um resfriamento do impulso criativo, com o longo intervalo pandêmico. “Mas ao mesmo tempo retomar o projeto e ele ainda fazer total sentido pra mim deu um gás. Como se passasse numa prova do tempo.”

Os elementos do que o artista define como “um livro noturno” – dos lobos que guardam relação antiga com os medos ancestrais da espécie, aos latidos que ecoam na noite, ao vento que entra nessa sinfonia com seus, digamos, lamentos eólicos – poderiam assustar os pequenos leitores?

Para Felipe Mayerle, “o livro é mais sobre natureza e integração entre animais e o espaço e a terra do que sobre medo.” A mesma tese ecoa no parecer de Rodrigo Tadeu Gonçalves. “A ideia era uma canção de ninar para crianças que acordam com medo dos barulhos da noite. É poesia do encantamento.”

Os adultos vão gostar desse livro infantil? Rodrigo responde: “Acho que qualquer pessoa que esteja com os ouvidos abertos para acolher o ritmo da poesia pode gostar. Minha recomendação é ler em voz alta.” Já dá pra dizer alguma coisa sobre a recepção de “O lobo da Lua”? “As pessoas parecem estar gostando. Nunca autografei tanto livro :)”

E quais os planos daqui para a frente? Professor de letras latinas (UFPR) e premiado tradutor, Rodrigo explica que “minha produção autoral é toda na poesia, são quatro livros até agora, boa parte disso tem uma relação forte com a tradução”. E acrescenta: “Eu destacaria, no momento, o poema do Lucrécio, de 2021; as ‘Metamorfoses’ de Ovídio, de 2023, pela Penguin; e uma tradução em andamento do ‘Romeu & Julieta’ que sai em 24, por uma editora bem bacana. Além de Sêneca para a Aleph e a ‘Eneida’ para daqui alguns anos.”

Deu vontade de fazer outros livros infantis? Novamente, é Felipe Mayerle: “É o meu primeiro e já estou bolando o segundo. Agora abriu a porteira!”

 

A criativa Cigarra que “pensou” o Lobo

Em nota de imprensa anunciando o lançamento, a editora informava que “O lobo da Lua” inaugura a parceria entre a Barbante e a especialista em literatura infantil Daisy Carias, conhecida pelo perfil do Instagram @euacigarra, em que dá dicas de livros para crianças e adultos – sim, adultos também, já que Daisy defende que a literatura infantil não é apenas para os pequenos e que deve ser tratada em pé de igualdade com outros gêneros literários. “Por isso, às vezes, a gente prefere até a denominação ‘livro ilustrado’, porque uma obra assim não precisa ficar confinada ao público infantil”, diz ela.

Curitibana, jornalista, especialista em literatura para crianças e jovens com diploma do Instituto Vera Cruz, ela se diz “completamente apaixonada pelo assunto.” Donde lhe vem esse dom de juntar os ingredientes para um livro de sucesso? “Não sei bem se é um dom; aposto mais no resultado de muito livro infantil e ilustrado lido na vida, muito estudo e palpites nos livros alheios.”

À Querela, Daisy Carias, a “Cigarra” do Instagram, revelou um pouco do roteiro que a leva, há treze anos, para o trabalho sistemático de estudo e pesquisa da literatura para crianças.

“Isso aconteceu quando nasceu meu filho mais velho, o Francisco. Quando estava grávida, ganhei da minha mãe uma caixa com diversos livros da minha infância, e isso mexeu comigo de várias formas. Relendo aqueles livros senti vontade de procurar outros, conhecer novos; e aí conheci muita coisa boa, mas muita coisa ruim também. A vontade de compartilhar com amigos e conhecidos as melhores descobertas me fez criar um blog anos atrás, que se chamava “Os livros de Francisco”. O blog foi crescendo, comecei a gravar vídeos, fui chegando em pais e mães interessados no assunto e também em professores, professoras, o que foi muito legal. A conversa foi se ampliando, meu interesse também, virou motivo de estudo e daí pra começar a editar foi natural. Acho que dá pra dizer que comecei a editar por motivos de ‘transbordamento’ – não cabia mais em mim a paixão pelos livros infantis e ilustrados.”

Como surgiu a linha infantil da editora Barbante? “Surgiu quando encontrei o texto do Rodrigo Gonçalves e entendi que ele podia virar um belo livro. Eu não queria encarar sozinha o desafio, então chamei meus amigos da editora Barbante para trabalharmos juntos. O Alessandro e a Paola já tinham um trabalho lindo na editora, um cuidado todo especial com o livro enquanto objeto – e isso é importante quando a gente pensa no livro ilustrado, faz toda a diferença na experiência leitora.

Como surgiu a ideia do livro dos lobos? “Na época, quase cinco anos atrás, li diversos poemas [do Rodrigo]. E esse em especial me pareceu muito musical e visual também. Li aqueles uivos, ventos e lobos e imaginei que com as ilustrações certas podia sair algo muito lindo ali. E não é que saiu?”

Você conhecia previamente os dois autores (que não se conheciam entre si, não)? “O Felipe é meu amigo há muitos anos. O Rodrigo só conheci mesmo na época em que li seus textos. E não, eles não se conheciam, não. Mas quando pensei em fazer o livro já juntei logo os dois pra uma cervejinha, pra eles se conhecerem e a gente começar a trabalhar. E deu boa!

Um livro sobre lobos, cães e ventos uivantes poderia assustar (mas parece que não assusta) o público infantil. O que você acha dessa possibilidade? “Eu acho que se assustar tá valendo e muito! Qual criança não curte uma história levemente assustadora, um mistério, um lobo uivante? Tudo isso desperta a imaginação, a curiosidade, mexe até com nossos instintos! O medo é um sentimento importante pra todos e todas, e vivenciá-lo de forma segura e simbólica, através da literatura, é um privilégio. A psicanalista Maria Rita Kehl, aliás, fala sobre ele no prefácio que ela escreve para o ‘Fadas no divã’: ‘O medo é uma das sementes privilegiadas da fantasia e da invenção.’ Não é à toa que o lobo, essa figura misteriosa e fascinante, está presente na literatura desde que ela era exclusivamente oral, desde os contos mais antigos contados ao pé do fogo.

O livro deve atrair leitores de outras idades. Este seria um efeito colateral interessante. “É essa a ideia! A gente superar o adjetivo “infantil” e começar a entender essa literatura, acima de tudo, como literatura. Uma literatura que pode ser lida também com as crianças, mas que comove primeiro o adulto que se depara com ela. Quer coisa mais gostosa do que você ler um livro, amar o livro, o texto, as ilustrações e aí poder compartilhar com seu filho, filha, afilhada, aluno?”

“Tem uma pesquisadora argentina de literatura para a infância e juventude, a Maria Teresa Andruetto, que tem um livro chamado justamente ‘Por uma literatura sem adjetivos’. Eu recomendo muito, ele é pequeninho, enxuto, mas faz a gente pensar um bocado sobre essa nossa relação tão vertical com a literatura infantil e juvenil. Compartilho com você um trechinho: ‘O que pode haver de “para crianças” ou “para jovens” numa obra deve ser secundário e vir como acréscimo, porque a dificuldade de um texto capaz de agradar a leitores crianças ou jovens não provém tanto de sua adaptabilidade a um destinatário, mas, sobretudo, de sua qualidade, e porque quando falamos de escrita de qualquer tema ou gênero o substantivo é sempre mais importante que o adjetivo.’ Então não sei bem se é um efeito colateral; é nossa mais maravilhosa intenção.”

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Resenha

Sobre “O lobo da Lua”

Por Laura B. Moosburger

Certos livros infantis nos comovem por sua singeleza absoluta, por presentificarem o infantil em seu estado puro: o simples rosto de uma criança sorrindo sobre fundo branco com flores ou estrelas flutuando à sua volta; borboletas e sapos sorridentes com olhos grandes e puros; cores muito vivas ou em doces tons pastel. “O lobo da Lua”, de Rodrigo Tadeu Gonçalves e Felipe de Lima Mayerle, muito embora possa ser apreciado por pequenos de todas as idades, atinge-nos antes pelo assombro de sua atmosfera iniciática, por uma certa lírica do mistério e uma sobriedade evocativas de um momento já de passagem – da infância, talvez, a algo além. Leia mais.

Noite de lançamento

“O lobo da Lua” foi lançado em sessão de autógrafos, na Casa Pagu, Curitiba, quinta-feira, 7 de dezembro último (2023). Uma taça de espumante foi oferecida aos primeiros 30 compradores do livro (com direito a ficha de vale-taça com uma ‘cara’ da Lua de cada lado). O editor Alessandro, da Barbante, presidiu à mesa de venda dos exemplares, a R$ 59,60 cada, ou como parte de um kit (já esgotado) que incluía postal, adesivos e uma bolsa com arte serigrafada de Mayerle, ao preço de R4 109,90.

Em outro canto da sala, contra a parede-de-tijolos-à-mostra, os autores Rodrigo Tadeu Gonçalves (texto) e Felipe de Lima Mayerle (ilustrações) faziam dedicatórias personalizadas com desenhos.

EVOCAÇÃO DE PAGU

Homenagem à escritora Pagu Galvão, paulistana, a Casa Pagu, no atual endereço, à Rua Benjamin Constant, 400, representa nova fase do estabelecimento de mesmo nome (“Rua Pagu”) que as empresárias Carolina Pimentel e Fabíola Nespolo tocavam no Juvevê. É um endereço mais central e arquitetonicamente mais fechado que o anterior; residência aconchegante que, noutros avatares de botequim, abrigou endereços da noite curitibana como o Parangolé e o Ornitorrinco.

A Casa Pagu inclui recintos em art-decô e oferece cardápios interessantes de drinks e de comidas, criados respectivamente por Jaci Andrade e Dani Testa, com itens evocativos da existência e pensamento social da madrinha da casa, como, para beber, “Escândalo social”, “23 liberdades”, “Moscowzinha” (Pagu era de pensamento rubro-escarlate); e para devorar, “Sanduíche das operárias”, “Caldinho de quenga” e “Batata frita proletariada”. Cada um desses nomes corresponde a uma narrativa.

Em áudio para os leitores da Querela, Carolina Pimentel expõe a proposta da casa.

A Casa Pagu abriu as portas para o lançamento de “O lobo da Lua”.

Uma taça de espumante coube de brinde aos primeiros 30 compradores.

Novo endereço da Casa Pagu: rua Benjamin Constant, 400.

Carolina Pimentel fala da Casa Pagu e suas propostas.

Serviço:

O lobo da Lua. Livro ilustrado para o público infantil, com texto de Rodrigo Tadeu Gonçalves e imagens de Felipe de Lima Mayerle. Projeto gráfico e diagramação de Debora Barbieri. Coordenação de Daisy Carias de Oliveira. Curitiba: 2003, Editora Barbante. O livro está à venda, à razão de R$ 59,90 por exemplar, nas livrarias Arte e Letra e Itiban, em Curitiba, ou no site da Editora Barbante:

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