Romance de Talo Costa supera gentilezas protocolares do lançamento e já recebe a primeira crítica

Vencida a fase imediata de lançamento, “Amores mais que perfeitos”, livro de estréia de Carlos Augusto da Costa, procurador do município de Curitiba, começa a produzir respostas dos leitores.

Trata-se de romance curto, publicado pela Platô Editorial em parceria com o autor, menos de cem páginas de extensão, e uma prosa nervosa e intimista que impressiona e absorve à primeira vista. Mais uma das “criaturas” da pandemia, que está na história literária contemporânea como período de ensimesmamento e muita escrita.

“Amores…” foi lançado no já distante abril de 2023 em movimentada noite de autógrafos no Nina, bar, bistrô e palco de música brasileira e latina na Rua Marechal Deodoro, 847. A produção do livro é assinada pela socióloga Ana Lúcia Bueno, que também leva o crédito pelas fotos do evento (ver adiante).

A casa, na ocasião, esteve lotada e “Talo” (como Carlos da Costa, 58, é conhecido dos amigos) viu exaurir-se no lançamento a metade da primeira tiragem de cem exemplares. A outra metade se dissipara na distribuição ao círculo imediato dos familiares e dos colegas de trabalho.

Ex-presidente por três vezes da Associação dos Procuradores do Município de Curitiba, e duas vezes da ANPM, associação nacional da categoria, o escritor recém revelado acabou por bancar mais 150 unidades para contemplar com seu romance a vasta rede nacional de colegas e amigos procuradores.

Um deles, Bernardo Bastos, espontaneamente lhe enviou a resenha que publicamos em seguida. Anotar que a amizade não embotou seu sentido crítico diante de tropeços do narrador, nem impediu que reconhecesse seu inegável poder narrativo.

Amores mais que perfeitos.

Romance de Carlos Augusto da Costa.

2023 : Curitiba, Platô Editorial

RESENHA

Amores mais que perfeitos: os altos e baixos do primeiro romance de Carlos Augusto da Costa

Por Bernardo Bastos

Romance inaugural ambientado em Curitiba e com cenas em diversas outras cidades do País. O protagonista é um starboy. Devido à morte precoce do pai parece ter se esquivado do complexo de Édipo. A falta de pais próximos é tema recorrente de várias personagens, talvez todos. O efeito da criação das crianças é uma linha subjacente que conduz todo o romance.

A história se desenvolve em uma bem amarrada inversão cronológica em que passado, presente e futuro se entremeiam. Narrativa absorvente e extremamente objetiva. O leitor não vai encontrar descrições detalhadas de pessoas e lugares – o paraíso para os leitores de não-ficção, mas que pode ser desconfortável para o de longos romances.

O ponto de vista é absolutamente masculino. As descrições são pinçadas pelo interesse típico do homem. Isso faz com que o romance tenha promissora aceitação nesse nicho. Costa seria uma antítese de Jane Austen – que elaboradamente relata os relacionamentos da ótica atenta de uma mulher cautelosa e com foco nos detalhes e nas palavras ditas de forma bem pensada pelos personagens. Ao contrário das heroínas de Austen, nosso protagonista, Edu, é desprovido de controle executivo que só se mantém (relativamente) apto à vida social pelo contraponto de seu autoconhecimento e da sua sorte.

Os personagens são analisados do ponto de vista psicológico e não se consegue escapar de uma visão determinista. A forma de criação dos filhos parece ter uma influência mandatória na formação de seus caracteres. Nesse ponto o livro é recheado de pílulas de sabedoria que, mais do que convicções de Edu, parecem ter sido colocadas como mandamentos filosóficos. Esporte, cultura, um modo positivo de encarar a vida e a morte, bem como juízos de valor fixos, dão um caráter moralista à trama.

Capítulo sobre a mãe, no meio do romance, é primoroso. Humano e delicado. Já vale o livro.

O texto tem várias oportunidades para avançar no erotismo, mas como tudo no livro a objetividade supera qualquer tentativa de prolongar uma cena. Oitenta e sete páginas – e apenas uns seis tons de cinza – para serem lidas de um único fôlego, como quem assiste a um bom filme.

A narrativa de todos os personagens poderia ser substituída pelo próprio narrador. Alguns termos de diálogos parecem inadequados. Impossível imaginar a namorada relatando como se deu uma briga com termos como “desferindo vários outros socos”, a menos que fosse uma policial. Erros menores típicos de primeira edição merecem revisão para as edições seguintes.

A trama é pessoal, todos os personagens são da classe média, inexistem considerações sociais ou políticas. Obra original e rica. O enredo é cativante o suficiente para se aguardar a próxima obra do autor.

Bernardo Leopardi Gonçalves Barretto Bastos é procurador do município de Rio Largo, Alagoas. Advogado, engenheiro civil, mestre em engenharia pela PUC-Rio. Ex-procurador do município de São Paulo. Diretor de comunicação da Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM).

TRECHO

Do décimo capítulo (“A Mãe”)

E com a vida seguindo em seu ritmo, com Marília já de volta ao seu posto de psicóloga de conceituada escola de uma rede jesuíta de educação, Edu foi crescendo a olhos vistos, tornando-se um rapagão de mais de metro e oitenta, mal entrado nos quinze anos. E foi justamente nessa fase que Marília começou a receber sinais de que sua saúde não estava lá muito bem equilibrada, especialmente por conta de problemas decorrentes de uma hepatite severa ainda na infância, e que agora resultava em uma acelerada e inesperada fibrose de fígado, bastante preocupante pela progressão. Desde então, pelos três anos seguintes, quando veio a falecer em razão de um sangramento decorrente da evolução da doença, sua vida se resumiu a preparar ainda mais Edu para o que estava por vir. Afinal, o filho seguiria sua trajetória sozinho, sem pais ou avós. E embora a questão econômica de ambos estivesse resolvida nos prazos curto e médio, em razão da herança recebida por Marília dos pais – quatro apartamentos e algum dinheiro no banco que ela providencialmente não mexeu pensando no filho –, o fato é que acordar repentinamente sozinho no mundo, mesmo para um jovem cheio de vida, bem resolvido e cheio de ferramentas, não seria exatamente um passeio no parque.

E foi mentalizando esse porvir que Marília começou a inteirar o filho de tudo que tinham de bens, tentando ensiná-lo um pouco sobre administração financeira, afazeres domésticos e tudo o mais que pode tornar alguém independente. Cuidou também de apresentá-lo a uma caixa com todos os documentos relativos aos imóveis da família, tanto os títulos de propriedade como os contratos de locação, também o colocando como dependente em uma conta conjunta no banco. E intimamente firmou o propósito de somente morrer após o filho completar dezoito anos, quando então sua missão estaria cumprida e assim foi feita sua vontade. Pouco depois de Eduardo completar dezoito, Marília faleceu em um hospital.

Uma semana antes de morrer, porém, totalmente ciente de seu estado de saúde, chamou o filho para uma conversa. Marília era psicóloga e pedagoga, e se tinha algo que dominava era a abordagem de jovens. Contudo, Eduardo era seu filho e conhecia a mãe melhor do que ninguém; e não demorou muito para perceber aonde ela queria chegar e se emocionou muito. Mas Marília não baixou a guarda e continuou no seu propósito de cumprir aquela que seria a última etapa da sua missão: preparar o filho não mais para viver a vida, mas sim para encarar a morte. E sutilmente foi avançando no seu objetivo com toda a sua experiência profissional e de vida. Falou da lembrança do pai de Edu, e do grande amor vivido entre ambos, e da tristeza pela sua morte, mas também sobre a força e a coragem que aprendera com ele. Falou da criação de Edu, e da certeza de que Rodrigo estivera sempre presente, na inspiração e nas lembranças. Fez questão de dizer ao filho que ele lhe fizera uma mãe muito feliz, e que muito do que ela se tornara na vida foi aprendendo com ele enquanto ele aprendia com a vida. Conversaram bastante sobre tudo, e mesmo que sempre tivessem sido muito próximos, há sempre tempo para dizer coisas que nunca foram ditas. E Edu, embora no fundo soubesse da delicadeza do estado de saúde da mãe, ficou muito emocionado e parecia não acreditar que fosse possível perdê-la ainda tão jovem (Marília morreu com 42 anos). Por esses dias Edu chorou muito, escondido, mas não se ausentou mais de casa, querendo aproveitar cada minuto ao lado da mãe, fazendo-lhe as vontades e sempre tentando disfarçar uma tristeza incontida, até o dia em que ele próprio a levou ao hospital e a beijou na maca antes de ela dar entrada na UTI para não mais sair com vida.

O dia do enterro, para Edu, foi de uma dor quase intangível, a ponto de ele acreditar que não se recuperaria, o que evidentemente era apenas um sentimento, pois um jovem cheio de vida sempre se recupera de qualquer perda. Contudo, Edu realmente se abateu, e durante o luto saiu muito pouco de casa, exceto para resolver questões inadiáveis. Mas tudo passa e depois foi retomando a sua rotina na faculdade e na vida social, acostumando-se com sua nova condição: “dono de si e da própria vida”, já que não tinha mais ninguém para cuidar ou se deixar cuidar. Sonhou com a mãe todos os dias durante quase um ano e somente começou a deixar a tristeza um pouco de lado depois de conhecer Clara. Não poderia ter sido uma mãe melhor, e era grato por isso, e sempre que tinha que tomar uma decisão importante tentava imaginar o que a mãe lhe diria, e assim foi para sempre.

Fotos de Ana Lúcia Bueno

SERVIÇO

Amores mais que perfeitos. Romance de Carlos Augusto da Costa. Com 88 páginas, em 16 capítulos e um epílogo. Apresentação de Ana Lúcia Bueno. Projeto gráfico de Giuliano Ferraz de Oliveira. Curitiba: 2023, Platô Editorial.

Exemplares a R$ 45,00 mais taxa de envio.

Encomendas pelo site da Platô Editorial

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