O Lobo da Lua por Laura B. Moosburger.

Sobre "O Lobo da Lua"

Por Laura B. Moosburger

Certos livros infantis nos comovem por sua singeleza absoluta, por presentificarem o infantil em seu estado puro: o simples rosto de uma criança sorrindo sobre fundo branco com flores ou estrelas flutuando à sua volta; borboletas e sapos sorridentes com olhos grandes e puros; cores muito vivas ou em doces tons pastel. “O lobo da lua”, de Rodrigo Tadeu Gonçalves e Felipe de Lima Mayerle, muito embora possa ser apreciado por pequenos de todas as idades, atinge-nos antes pelo assombro de sua atmosfera iniciática, por uma certa lírica do mistério e uma sobriedade evocativas de um momento já de passagem – da infância, talvez, a algo além.

Neste “happening gráfico” – como o chamou Jaques Brand – deparamos com a cuidadosa ilustração de Felipe Mayerle, feita de linhas e cores predominantemente escuras, um azul marinho e um laranja foscos, em que mesmo a cor branca não é mais aquela do simples destaque de fundo em livros infantis: é o branco lunar, uma tinta reflexa que vem da noite e se derrama sobre o bosque e a cidade, tingindo o lobo, a rua, as paredes das casas. A ilustração acompanha em perfeita sintonia o poema de Rodrigo Gonçalves: um poema suave e ao mesmo tempo enfático na pronúncia poética das palavras que diz e repete – lobo, lua, uivo, mata, cachorro –, e cuja simplicidade não é mais aquela das frases de aprendizado em livros infantis (que guardam sua poesia própria), mas tem a força mágica do encantamento no sentido do mistério. É um livro que aprofunda o olhar da criança para o mistério do mundo, da noite, do uivo que atravessa o escuro, que vem da floresta e se faz ouvir na cidade, para o trânsito entre as esferas, para o que liga o lobo ao cachorro, a mata à cidade, o silêncio ao uivo e ao vento, para o fluxo profundo e obscuro das coisas, o percurso desconhecido do vento, que apenas pressentimos e nos liga à floresta ancestral, atravessando a noite. E o olhar magnético do lobo da lua paira sobre tudo isso, imagem sugestivamente humana, como um Deus lunar tornado visível para as crianças que saberão apreciá-lo em seu mistério e distância, reafirmando que se trata de um encantamento, do despertar de um sentido para o mistério – o mistério místico e o mistério mítico, inseparáveis.

Ao suscitar o sentido do mistério, o livro sugere o aprendizado da solidão, da distância entre as coisas, ao mesmo tempo que o susto apaziguante de sua proximidade – entre cão e lobo, uivo e vento, mata e cidade… A criança atenta perceberá sua própria solidão poeticamente no vento do poema e da ilustração, com a doçura de uma canção de ninar – “uma poesia de encantamento”, como foi inicialmente pensado o poema, de acordo com seu autor.

A sobriedade de cores, linhas e palavras, da figuração da cidade e do bosque, do lobo e do cão, da lua mítica, atinge a criança simultaneamente pelo infantil e pelo convite ao mistério que a leva além. É, afinal, um livro colorido e desenhado para crianças que contém um poema escrito para crianças; sem, contudo – se é que podemos nos expressar assim – “infantilizá-la”: pois assim como o desenho, em sua sobriedade e nos detalhes que vai formando com as linhas, também o poema, que repete palavras ao modo infantil acrescentando outras tantas em uma complexificação musical crescente, sugere uma saída de um estado de simplicidade rumo a algo mais profundo e complexo. Este é talvez o golpe de mestre que faz deste livro uma obra perfeitamente acabada em seu gênero. Que o poema tenha sido concebido como uma canção de ninar para crianças insones talvez revele uma intenção da obra em promover essa passagem gentil: ela ameniza o susto do despertar com um susto poético. Um poema de Eichendorff diz que “Nas coisas todas dorme uma canção,/ Que nelas sonham e sonhando vão,/ E o mundo inteiro põe-se a cantar,/ Se a palavra mágica você encontrar”. “O lobo da lua” ergue essa ponte, essa passagem de encantamento, dando à criança um meio a mais para que ela mesma descubra a canção profunda que mora nas coisas.

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