Rodrigo Madeira na inauguração da ‘Sala de áudio’

Abrindo a seção “Sala de áudio” da Querela, o poeta Rodrigo Madeira diz o seu poema “Daphne”, um dos erótico-amorosos de seu terceiro livro de poesia, “Baldio”, publicado em 2018.

“O poema foi deflagrado por um par de versos de Rilke (aliás, epígrafe do poema). Os versos falavam sobre essa Dafne arrependida, só isso”, declara Madeira.

Rodrigo Madeira nasceu em Foz do Iguaçu em 1979 e vive em Curitiba. É funcionário concursado do quadro municipal. Casado com a poeta e professora Luciana Cañete, com quem tem uma filha.

Sua poesia tem sido saudada, por sólidos motivos, como acontecimento de primeira grandeza nas nossas letras. A estréia deu-se em 2007 com “Sol sem pálpebras”. Em seguida, em 2009, com “Pássaro ruim”, confirmou as mais atrevidas suspeitas. A obra madeiriana, senhoras e senhores, é cometimento poético de rara e séria qualidade. Os prêmios literários se multiplicam.

A gaveta do poeta anda mexida. Para breve, RM deve publicar ao menos uma plaquete com poemas amorosos, outro volume de epigramas e ainda uma coleção de eróticos que combinam sutileza e decoro com audácias conceituais. (J. Br.)

Rodrigo Madeira / Foto R. Pozzo

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Daphne

Por Rodrigo Madeira

(…) und die verwandelte Daphne /
will, seit sie Lorbeern fülhlt, dass du dich wandelst in Wind.

Rainer Maria Rilke

No bosque fundo, o mundo canta e é mudo.
(E o mito que nos mente funda tudo.)
As ninfas são, as ninfas dão…mas uma,
não – aquela: a ninfa-nunca, a fulva Daphne,
filha de Peneu, pomba sem milhafre,
que nunca amou ninguém por nada, em suma.

No bosque fundo, o mundo canta e é mudo.
(E o mito uma vez mais bagunça tudo.)
Amor que folga ou falta entorna o frasco.
Bem-me-quer, mal-me-quer, as duas flechas
somaram sim com não – e a conta fecha?
O amor em desencontro encontrou asco.

Daphne dispara, e a crina solta as tranças.
(Um deus, mais do que um fauno, jamais cansa;
o que cuspiu Cupido não se evita.)
Fugindo ao deus que louco corre à cata,
correndo seminua pela mata,
o desespero a deixa mais bonita.

E à sombra do milhafre sobre a pomba
(Cupido entre as folhagens ri-se e zomba),
suplica a presa, a fuga quase finda:
“Eu quero ser loureiro que não ama!
“Loureiros não são feitos para a cama!”
Mas natureza é mais que mito ainda…

De estar tão arvorada, a lenha exposta,
o corpo se arrepende e quer e gosta
e agora, aberta em flor, é só malícia….
Só pede, em vez de Apolos, Afrodite:
que feita brisa a beije num convite,
que vente por seus louros em carícias.

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