Santa Rosa andou pela Rua XV e desceu de trem a Paranaguá

O engenheiro especializado em ferrovias Virginio Santa Rosa (nascido em 1905 em Belém do Pará) tornou-se um nome conhecido com a publicação, em 1932, pela editora Schmidt, de “O Sentido do Tenentismo”, pioneiro estudo sobre o movimento político-militar que sacudiu a Primeira República e que desaguaria na Revolução de 30. O mesmo Schmidt (ninguém menos do que o poeta e banqueiro Augusto Frederico Schmidt) voltaria a publicar Santa Rosa ali por 1935. Desta vez, os escritos do moço engenheiro, reunidos no volume “Paisagens do Brasil”, davam conta de suas viagens Brasil-afora, de preferência como passageiro de composição ferroviária. É o caso de um dos capítulos, intitulado “Curityba-Paranaguá”, que versa sobre tópicos de imediato interesse para os estudos paranaenses.

Primeiro, Santa Rosa se demora na descrição da Rua XV de Novembro em Curitiba – registro importante também para quem se debruça sobre a decadente situação atual da artéria que servia de referência a toda a Cidade. A qualidade intensamente visual da prosa de VSR alcança um extremo na segunda parte do relato da viagem, quando ele embarca no trem que atravessa a Serra do Mar. O texto pode ser datado de antes da Revolução de 30, a levar-se em consideração a referência ao período dos Camargos no governo do Estado. A seguir, bom trecho desse relato. Conservamos o “y” de Curityba para dar um gosto da ortografia da época. Palavras de outros idiomas estão em itálico.

NOTA: “Paisagens do Brasil” traz apresentação do poeta Schmidt, que reproduzimos ao final. Leia-se lá também o índice do livro.

“Curityba-Paranaguá”

Curityba é exclusivamente a Rua 15. Nela se concentram todas as atividades urbanas, o alto comércio e o comércio a retalho. Ali se erguem as lojas a varejo, as modistas, as mercearias, os bancos, os cinemas e os teatros. E quando algum edifício não se pode levantar em seu perímetro, por falta de espaço, é fácil entretanto encontrá-lo poucos metros adiante ao dobrar uma das transversais mais próximas. Não há como fugir desse implacável determinismo urbano. Tudo se aglomera e amontoa nesse tão diminuto trecho da cidade…

A pequena intensidade da vida metropolitana ainda não consentiu uma diferenciação mais nítida dos diversos bairros comerciais. Ainda não existem, nitidamente separadas, as zonas bancária e do grosso comércio, cheias de faces graves e meditabundas. Falta-lhe também um sítio segregado e elegante para a proliferação do comércio leviano de sedas e perfumes. E, assim, coexistem lado a lado as convivências mais esquisitas e as intimidades mais comprometedoras. Aqui, um jornal pegado a uma casa bancária ou uma livraria : acolá, uma loja delicada, de vitrine artísticas, na vizinhança perturbadora de uma repartição pública ou um comerciante atacadista. Não há diferenciações em áreas, não há diferenciações em altitude. Tudo se confunde de maneira mais ou menos caótica.

Essa impossibilidade de separação dos diversos misteres – bastante difícil mas um pouco alcançada em todas as cidades maiores do Brasil – impedindo a existência de artérias como Gonçalves Dias, Alfândega e Ouvidor, faz com que a Rua 15 viva povoada de uma multidão variada e mutável. É o brouhaha de tipos e costumes na aparente uniformidade dos passantes. As massas humanas, mais vivamente do que em outra qualquer cidade, como que imitam servil e estreitamente a confusão das lojas comerciais. Há ali gente de todo o gênero. Aquele pedaço de asfalto apresenta aos olhares curiosos a fauna mais variada e rica de Curityba. Quem se postar numa das suas esquinas poderá contemplar a passagem de toda a cidade. Passam os tubarões da indústria e do comércio. Passm ridículos caçadores de dotes, as senhoras ostentando luxos e senhoritas descando (sic) maridos. Gente inquieta, atarefada com mil negócios, sôfrega de dinheiro. Gente paupérrima implorando empregos. Gente tranqüila, gozando a doçura da tarde de inverno, entrando e saindo dos bars e casas de chá. Uma multidão superior, elegante e rica, acotovelando-se com os mensageiros, carregadores e serventes, toda a turba dos humildes, dos escravos do alto e baixo comércios.

A Rua 15 não descansa. Toda noite e todo dia ela é fatigada pelo andar da mó humana incessante e múltipla…. De manhã, percorrem-na os passos firmes e brutais dos titãs egoístas e vorazes. De tarde, mais leves e melodiosos, surgem os tic-tacs datilográficos dos saltos altos como pontos de maliciosa reticência na prosa rude do dia de negócios. E de noite, quando as lojas se fecham, os grupos ainda perturbam o desejo de silêncio da rua, em busca de distrações e prazeres. Então as luzes e letreiros dos cinemas e teatros enchem a grande artéria de um bulício pitoresco e de um colorido de vida intensa e inquieta.

A Rua 15 serve assim para tudo; é tudo na existência social de Curityba. Não é porém uma avenida da moda que deva a intensidade de sua vida unicamente a um milagre de urbanismo. Não é uma avenida Rio Branco, artificial na existência do Rio de Janeiro, atraindo todas as atividades para o seu perímetro por mero esforço dos homens…. Não, a Rua 15 é indispensável à existência curitibana. É uma reta que liga os dois bairros mais importantes da cidade. É o caminho mais curto entre os seus núcleos urbanos mais consideráveis. Ela não desviou a vida citadina para as suas proximidades por capricho de estética e milagre da inteligência humana. Ela se impôs ao urbanista, de maneira imperiosa. Ela é o próprio centro, o coração da cidade. Os automóveis são obrigados a atravessá-la para encurtar caminho. O seu tráfego intenso é uma conseqüência forçosa de sua situação urbana. Por isso todos a palmilham e raramente está quieta e deserta. De manhã, de tarde e de noite, dia de semana e dia de domingo, sempre é o ponto de reunião quase obrigatório, o caminho dos pedestres. Sempre os passos arranham as suas calçadas. Dia e noite os pneumáticos das limusines, double-phaetons e baratinhas lhe roçam o asfalto macio em vai-vens contínuos.

*      *     *

Sala de jantar do hotel. Sala abafada, acanhadíssima e escura. Raras janelas e raríssimas portas. O luxo das decorações, embora modesto, parece suspeitíssimo, levando a pensar em suntuosidades de cenário de revista, em riquezas de papelão pintado e lustres e candelabros de latão… Poucas mesas, todas ocupadas. É um martírio almoçar; consegue-se um lugar a custa de esperas infinitas e paciência de Job. De minuto a minuto um vulto espia à porta e vai engrossar os grupos que enchem os sofás e poltronas do corredor e das salas e saletas próximas à espera de uma mesa vaga. E essas cabeças que espiam e esperam, subitamente aparecendo e desaparecendo, tiram toda liberdade e apetite… Os garçons agiram-se como endemoinhados, num correr vertiginoso de mesa em mesa, insistindo em acudir prontamente a todos na ânsia de esvaziar as mesas e abrir vagas para os que esperam… Ninguém pode sentar-se pacata e tranquilamente e comer sozinho, em silêncio, com pachorras de ocioso. Logo uma voz desconhecida pede licença e um intruso ou vários outros ocupam as cadeiras vazias da mesa e ficamos como estranhos em nossa própria casa. Ninguém pode dar-se ao luxo requintado de observar os hóspedes, a multidão que entulha a sala, os tipos, a clientela do hotel. Logo sentimos o egoísmo da nossa conduta e vemos os vultos como que se sucederem vertiginosamente. É quase impossível fixar e detalhar as pessoas que cruzamos no elevador e nos corredores do hotel.

Nos primeiros dias de hospedagem o nosso acanhamento é invencível, mas a pertinácia acabou por descobrir manhas e artifícios que nos permitiram demorar às refeições sem atrair atenções e ressentimentos. Pouco a pouco a nossa curiosidade se fixou no grupo de americanos que almoçam na grande mesa do centro, engulindo várias garrafas de guaraná – garrafas e mais garrafas – e fumando carteiras e mais carteiras de cigarros. Num dos cantos, conseguimos distinguir uma família simples e modesta, talvez algum madeireiro rico vindo a Curityba em busca de tratamento médico. Acolá, outros grupos, predominando entre eles os estrangeiros, hóspedes perpétuos do hotel, gente fugindo à comodidade do lar, à melancolia da vida de família. E sobre esse fundo comum e eterno, como figuras de cenário, move-se incessantemente renovada, a onda versátil e avassalante de todos os dias – os que chegam e partem, demorando um segundo; os apressados, vivendo como numa fuga perpétua diante de paisagens evanescentes como quadros cinematográficos; os entendiados de viagens incômodas, cansados do ilusório conforto dos hotéis de luxo, enfarados de um movimentar contínuo e ansioso do sossego e serenidade de um bungalow acanhado e estreito, mas cheio de intimidade e irradiante o calor de uma personalidade muito querida; e também os touristes, curiosos de novidades e sensações, identificados com um simples olhar, quer quando unidos em caravanas alegres e bulhentas, quer quando viajam solitários, disfarçados em habituados daquele novo quadro, e mil vezes mais ávidos de sensações do que os primeiros. Havia também, enchendo os quartos do hotel, mormente na época da nossa estadia em Curityba, um mundo de aventureiros e espertalhões de todas as cores e de todos os cantos da terra… Empolgava o Paraná, naquele tempo passado, o ritmo acelerado das negociatas ruidosas e lucrativas e esses figurões e figurinhas desciam cobiçosos sobre a terra como abutres que sentissem a carniça atirada às ruas pela dinastia afoita dos Camargos.

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Pam-pam, pam-pam. Acordei sobressaltado e, olhando o relógio, fiquei fulo de raiva. Quinze minutos para as sete! Restava muito pouco tempo para vestir, tomar café e alcançar o trem de Paranaguá. 

Na véspera, eu havia pedido na portaria que me despertassem às seis e quinze e assim teria prazo de sobra para fazer tudo a hora e a tempo. Fiara no despertador do hotel e o resultado inesperado era aquele chamado tardio. Agora pouco tempo me sobrava para pegar o trem; restava-me somente prolongar a minha estadia em Curityba ou partir na manhã seguinte sem visitar Paranaguá. Mas esta última hipótese era absolutamente inaceitável e absurda e, resolvido a um esforço sobrehumano para recuperar o tempo perdido, comecei a vestir-me com uma fúria de possesso. Abri e atirei portas de armários sem a menor consideração pelo sono dos vizinhos de quarto e pisei forte e brutalmente como um regimento em marcha. E afinal saí, sem café, quando faltavam somente seis minutos para a partir do trem. Como a estação não ficava muito distante e não passava nenhum automóvel nem bonde, desandei a correr pela rua deserta e fria….

Entrei, esbaforidamente, correndo para a bilheteria. Pisei, acotovelei e esbarrei num mundo de gente. E, mal punha o pé na plataforma do carro, o trem deslizava de mansinho, largando da estação como uma grande massa que se desprende da outra. Respirei com alívio e triunfo. 

Já sentado, vendo as últimas casas da cidade que sumia, eu ainda ruminava a minha cólera e o trem, veloz e macio, principiara a cortar uma planície infinita como o mar. Nenhuma árvore e nenhuma elevação quebravam a linha do horizonte. O sol subia por entre nuvens sanguíneas, radioso na manhã, atirando as suas flexas douradas sobre os vidros dos postigos. Eu, porém, continuava mais ou menos indiferente a tudo, enfurecido, soltando injúrias mudas e medonhas.

Mais tarde, já mais calmo, esquecido dos aborrecimentos passados, olhei em volta. O trem ainda prosseguia a sua correria desenfreada sobre a planície imensa e nua, mas o sol, que crescia no céu, já dourava os cabeços de uns montes surgidos no horizonte. Não era a mesma imensidão infinda e gigantesca, sem árvores nem barreiras… Dentro do carro havia sossego e calmaria. Os passageiros liam ou conversavam discretamente; outros, porém, esquivavam-se à tagarelice dos vizinhos, revirados para as janelas a contemplar as paisagens que fugiam como as horas da vida. Várias vezes procurei uma distração, um acidente panorâmico, um relevo notável mas, afinal, desiludido e cansado, acabei por abrir um livro. 

Com o andar do tempo o meu tédio só fez crescer. A viagem continuava monótona e à proporção que o trem ia deixando a planície o ar se tornava um pouco abafado. O sol, ao subir, deixara cair sobre a terra o seu manto de fogo e o calor pouco a pouco crescia naquela manhã de inverno. Ardiam os campos como esbraseados e as árvores distendiam os galhos, parados, estáticos na paisagem. Só o trem corria naquela aparente imobilidade da natureza…. Ao longe, em ciclópico relevo, numa enorme massa azulada, destacava-se a Serra do Mar. Aproximando-se dela, o trem corria sem parar como atraído pela umidade das suas encostas, pelos primeiros contrafortes da cordilheira que acudiam ao nosso encontro. 

De repente fechei o livro, com a atenção inteiramente presa ao espetáculo da natureza. O trem circundava o primeiro contraforte em meneios e curvas, atacando-lhe os flancos em contornos cautelosos e flexíveis. Ia galgando-a aos poucos, em longas dobras. O caminho, cavado na rocha e suspenso por viadutos, desenrolava-se dentro da matéria, serpeando. No alto, através da garganta mais próxima, os trilhos passariam ao outro vale, do lado oposto da montanha, descendo a encosta que morre no mar. Agora, porém, o trem subia, aos solavancos, amarrotando as carnes. 

No alto da serra, num gesto de feliz inspiração, uma passageira arrancou o feltro da cabeça e, como num clarão, magnífica massa de ouro faiscou ao sol. Todos sorriam embevecidos à vida que palpitava em derredor. O ar refrescara com as sombras da mata; quase que fazia frio. O sopro puro e forte da montanha entumescia os pulmões e afagava as faces. Com os vidros levantados todos contemplavam o espetáculo sereno e majestoso da floresta: uma festa de verde, enorme massa fofa de copas a acompanhar as sinuosidades do terreno – caindo em escarpas a pique, concavando-se nos vales estreitos. Aqui e além brotavam esplêndidas e resplandescentes florescências, em grandes manchas de tinta, como a boiar num oceano de verdura. Os regatos, sonoros e cristalinos, na brancura de suas águas brilhantes, franjavam-se por encostas abruptas ou saltavam por entre pedras, mergulhando a cantar nos vales sombrios. Lá ao longe, sumido no horizonte, contra toda expectativa, o Atlântico não azulava…

Dentro do carro avolumara-se a agitação e o reboliço. Todos de pé, apinhados nos postigos, excediam-se diante das maravilhas da natureza. Uns chamavam aos outros, mostrando panoramas encantadores, reconhecendo as cachoeiras mais vulgares. O vozerio era de turba-multa e de todos os cantos do carro partiam os gritos de admiração e entusiasmo…. Não havia ali, provavelmente, ninguém que estivesse passando pela primeira vez diante daquelas paisagens. Eu era, por certo, o único nessas condições. Os demais, todos eles, estavam naturalmente mais do que acostumados àquele ir e vir constante de Curityba a Paranaguá. A totalidade dos passageiros era composta de famílias curitibanas que fugiam ao inverno, buscando refúgio nas praias do litoral. 
A descida da serra foi-se fazendo em milagres de acrobacia. Os trilhos desenvolviam-se sobre abismos, atirados de rocha em rocha, aproveitando os mínimos trechos e planos do terreno firme. Do alto, aparecia o traçado da estrada, descendo a montanha em mil voltas e coleios. Os túneis e viadutos como que se alternavam numa porfia de escuridão e beleza… A locomotiva arfava no esforço dos freios. Aqui e ali reapareciam os regatos sonoros riscando o verde da mataria como filetes de prata. Descíamos deslumbrados, ouvindo somente o arranhar das rodas nos trilhos e o silvos estridentes à entrada dos túneis. E pensávamos na dura luta que fora a construção daquela estrada com o seu desenvolvimento forçoso pelas encostas íngrimes da serra. Ali estava uma grande prova da energia nacional, da grande capacidade realizadora da nossa gente. 

Como devia ser esplêndida uma morada ali naqueles altos, sentido a carícia do ar da montanha! Assim pensávamos, lançando olhares invejosos para as casas das turmas de conserva da Via Permanente, habitadas por polacos rosados e sadios… Pouco adiante o trem parou numa pequenina estação, talvez um posto telegráfico, e surgiu da casa do agente uma raparigota viva e corada, respirando saúde por todos os poros. Que ótimo sanatório aquela serra!

Da base da Serra do Mar até Paranaguá é a mesma formação de mangues, cortados por braços de mar como nos arredores de Santos. O trem percorre durante algumas horas uma planície infinda, sem pitorescos e atrativos. É um terreno sáfaro, despido de cultura, coberto de moitas de um verde carregado. E, já nas proximidades da cidade, surgem os reservatórios das companhias petrolíferas, os únicos acidentes da paisagem. 

[Virginio Santa Rosa demora-se mais cinco páginas no relato da viagem, com sumárias descrições de Paranaguá e da paisagem portuária, e do trecho que leva às praias, em direção a Guaratuba.]

Paisagens do Brasil

Virgínio Santa Rosa

Schmidt Editor, s.local e s. data

Índice Geral

AMAZONIA:
Praias da Ilha do Mosqueiro
Num latifúndio do Baixo Amazonas

CENTRO SUL:
Curityba-Paranaguá
Num trem da Mogyana
Um dia em S. Paulo
Poeira e chuvas
Entre os cascalhos da velha bagagem
Na barranca do Araguaya

EXTREMO SUL:
A caminho de Porto Alegre
A morte do gaúcho
Páginas de um diário de viagens

PROBLEMAS:
A ameaça dos regionalismos
O problema das comunicações goianas
O povoamento e a pequena propriedade

Apresentação de Paisagens do Brasil 

pelo editor Frederico Schmidt

O Sr. Virginio Santa Rosa é um homem para quem o Brasil existe. Os seus dois primeiros livros “A Desordem” e o “Sentido do Tenentismo”, publicados há uns três anos passados, já tratavam de problemas políticos brasileiros, desses inúmeros problemas que o advento da Revolução de 1930 – despertou – para logo se diluírem com a mesma efêmera duração com que se mudaram em fumo e poeira todas as coisas nascidas desse movimento revolucionário tão estranho e misterioso, que os estudiosos da nossa história dificilmente o saberiam definir, nas suas origens, e na confusão incrível dos seus resultados.

Deixando em tempo o estudo das nossas questões políticas o Sr. Virginio Santa Rosa, porém, não deixou o Brasil de parte, como essas Paysagens (sic) o estão provando. Mas, desta vez, a atenção do escritor se voltou para a própria terra, para o que ainda constitui a única realidade nacional: as paysagens, as cidades, os caminhos do Brasil.

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“Paysagens do Brasil” é um livro de impressões, mas é principalmente um livro de sentimentos brasileiros. A nossa terra é, para o Sr. Santa Rosa, alguma coisa mais do que um pedaço de terra. Nela está contida, para o escritor, a nação, isto é um corpo, com uma alma, alguma coisa que existe não só no espaço, mas no tempo também. Ele tem um sentido barrèsiano da natureza e o sentimento da nossa unidade inexplicável está latente e sem palavras neste pequeno volume, em que se fala no grande Brasil, e das suas cidades diversas e diferentes.

Na sua profissão nômade de engenheiro, o Sr. Virginio Santa Rosa teve ocasião de viajar o nosso hinterland, de percorrer demoradamente a maioria dos nossos estados, sentindo com o seu claro espírito, com a sua alerta inteligência os múltiplos ritmos da vida de província, dessa província esquecida e caluniada que tem de viver por si própria, que tem de ser construída com os seus próprios recursos e que, no entanto, dá no espetáculo das suas cores múltiplas, na diferença dos seus modos de existir e de sentir, o colorido, a fisionomia, o caráter brasileiro.

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Nascido na Amazônia, nos proporciona o Sr. Santa Rosa, nas paisagens da sua região natural, o melhor do seu sentimento poético, descrevendo as encantadas terras da infância, as praias da ilha do Mosqueiro, e todo o tumulto daquelas plagas; mas isto não o impede de compreender e sentir profundamente a campanha gauchesca de horizontes imensos e melancólicos, com cidades sombrias como essa Vila de Lavras, e claras e alegres cidades também cheias de vida e de sol.

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A intenção do autor das Paysagens do Brasil foi nos dar um resultado da sua experiência.

Assim, nessas paysagens brasileiras, algumas realmente belas em que sentimos as vivas qualidades de escritor do Sr. Santa Rosa, vamos encontrar também inúmeras observações do sociólogo e do homem público que não abandonam o Sr. Santa Rosa, rume ele para onde rumar.

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Uma compreensão serena dos nossos problemas, um saudável espírito construtor, a que não falta uma certa malícia, indício de seguro espírito crítico, uma honesta e ágil inteligência, são as qualidades mestras desse escritor que virá um dia ocupar um lugar nítido entre os raros que se preocupam com as coisas do País.

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Tenho uma grande esperança no Sr. Santa Rosa e um velho e permanente apreço pela qualidade da sua inteligência, e foi só para ter a oportunidade de declarar isto de maneira pública que aceitei o convite do escritor para figurar com algumas palavras inúteis neste livro tão cheio da sombra e de sol do Brasil.

AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT

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